A análise das contribuições para redução de emissões relacionadas à geração de energia elétrica assumidas pelo Brasil em Paris indica que as propostas reconhecem, mesmo que de forma indireta ou implícita, a tendência recente de redução da participação de hidrelétricas na matriz elétrica brasileira
Por Claudio Sales, do Acende Brasil, Artigos e Entrevistas em CanalEnergia
Em 2012, o Instituto Acende Brasil publicou o White Paper nº 6 (“Mudanças Climáticas e o Setor Elétrico Brasileiro”, disponível em http://www.acendebrasil.com.br/estudos) com o objetivo de contextualizar os impactos da discussão sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) e mudanças climáticas globais sobre o Setor Elétrico Brasileiro (SEB).
O estudo teve seu foco voltado para a descrição do perfil de emissões de GEEs do Brasil, ressaltando o papel do setor energético e, mais especificamente, do segmento de geração de eletricidade, assim como para as alternativas de estratégias de atenuação destas emissões. Uma das constatações mais relevantes daquele estudo foi a baixa contribuição do SEB para as emissões de GEEs nacionais em função do alto grau de renovabilidade da matriz elétrica brasileira, característica presente à época do estudo e que persiste até hoje.
Entretanto, ao longo do período compreendido entre 2012 e 2016, o SEB passou por um processo de transformação estrutural que alterou seu perfil de emissões de GEEs. Paralelamente, a 21ª Conferência das Partes (COP), realizada em 2015 na cidade de Paris, França, foi palco de um novo acordo climático global firmado entre as 196 partes signatárias da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).
Diante destes acontecimentos, tornou-se necessária a atualização de determinados aspectos discutidos no White Paper nº6. Foi assim que surgiu o nosso White Paper nº 17 (“O setor elétrico no contexto das mudanças climáticas e do acordo de Paris”), cujo objetivo é interpretar os impactos do novo acordo climático internacional sobre o setor elétrico brasileiro.
O “Acordo de Paris” é hoje o principal instrumento de cooperação internacional focado na redução das emissões de GEEs e na adaptação às mudanças climáticas globais. Cada país signatário oficializou sua adesão por meio da publicação de suas “Contribuições Pretendidas Determinadas Nacionalmente” (CPDNs, tradução para “iNDCs – Intended Nationally Determined Contributions”), nome dado ao conjunto de metas aderentes aos objetivos do acordo.
O compromisso geral assumido pelo Brasil prevê a redução de 37% nas suas emissões até 2025, tomando como base 2005. Em relação ao setor elétrico, as CPDNs preveem, entre outros pontos, o aumento da participação de fontes renováveis, diferentes da hídrica, na geração. No entanto, o incremento da geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis e a redução relativa da participação da fonte hídrica na matriz elétrica é um fenômeno anterior às CPDNs, e que já vem sendo observado há mais de 10 anos.
A crescente necessidade de despacho de termelétricas para complementar a variabilidade da geração de fontes renováveis e o consequente aumento do fator de emissão de CO2 do setor elétrico são efeitos diretos deste processo. Apesar desta conjuntura, o Setor Elétrico Brasileiro é, atualmente, responsável por uma parcela inferior a 10% das emissões totais de CO2 do Brasil.
O recém-publicado White Paper nº 17 discute os desafios que deverão ser enfrentados para que a redução de emissões seja materializada compatibilizando três grandes objetivos: (1) incremento de fontes renováveis na matriz de geração; (2) atendimento aos critérios de segurança de fornecimento no médio e longo prazo; e (3) manutenção do nível de emissão de GEEs do setor elétrico, ainda baixo quando comparado ao de outros países.
A análise das contribuições para redução de emissões relacionadas à geração de energia elétrica assumidas pelo Brasil em Paris indica que as propostas reconhecem, mesmo que de forma indireta ou implícita, a tendência recente de redução da participação de hidrelétricas na matriz elétrica brasileira. Porém, esta opção vem acarretando modificações estruturais significativas.
Isso ocorre porque, apesar de o país contar com relevante capacidade instalada em hidrelétricas com reservatórios, a relação entre a energia potencialmente armazenada por essas usinas e a carga demandada pelo sistema vem caindo nos últimos anos. Se o sistema elétrico necessita, cada vez mais, de flexibilidade de despacho para complementar a inserção de fontes de geração variável, a diminuição relativa da capacidade de armazenamento de energia em reservatórios deve ser compensada pelo aumento da capacidade de outro tipo de fonte que atenda a esses requisitos de flexibilidade operacional.
Portanto, à medida que a participação de fontes de geração variável na matriz de geração de eletricidade se expande, cresce a necessidade de inserção de fontes que possam ser despachadas sob demanda com o objetivo de “firmar” a geração variável. Esse efeito talvez não esteja completamente compreendido por diversos agentes engajados na definição de estratégias para cumprimento das CDNs.
É essencial ressaltar que as informações discutidas no White Paper nº 17 têm o objetivo de evidenciar a relação entre o modelo adotado para nortear a expansão da geração elétrica nos últimos anos e seus efeitos sobre as emissões de GEEs do SEB. Neste sentido, não se busca favorecer ou promover uma determinada tecnologia de geração (e.g. hidrelétrica, termelétrica, eólica ou solar) em detrimento de outra(s). O objetivo principal do estudo foi estabelecer as interdependências envolvidas e explicitar as implicações de cada política de expansão adotada no que se refere às emissões de GEEs.
Todas as fontes de energia com as quais se pode contar no Brasil aportam atributos relevantes para a matriz elétrica e devem ser valorizadas por suas contribuições do ponto de vista de operação do sistema.
Como exemplo, no dia 11 de outubro de 2016 a geração eólica respondeu por 48% da carga média diária do subsistema Nordeste. Essa diversidade de fontes foi essencial para atender ao consumidor nordestino em um momento de vazões naturais muito abaixo das médias históricas e de níveis de armazenamento reduzidos nos reservatórios hidrelétricos. Nas palavras do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), “esta situação extremamente desfavorável só não se transformou em uma ameaça para o abastecimento energético porque a região Nordeste passou por uma mudança em seu perfil de geração nos últimos anos, com a instalação de usinas termelétricas e parques geradores eólicos”.
Portanto, todas as fontes de eletricidade são importantes, mas sua inserção na matriz precisa ser planejada de forma a otimizar seus diferentes atributos.
Considerando que o aumento de fontes de geração variável (com baixa emissão de GEEs) requer aumento de fontes despacháveis sob demanda (que emitem GEEs por envolverem termelétricas movidas a combustíveis fósseis), a contribuição do setor elétrico para redução das emissões tende a ser muito menor do que a desejada.
Consequentemente, a redução líquida das emissões de GEEs do Brasil deverá ser cumprida predominantemente a partir de ações concentradas em outros setores da economia.
Além disso, a participação da geração de eletricidade nas emissões de GEEs do Brasil indica que o setor elétrico possui relevância limitada para a diminuição de emissões do país. Apenas para ilustrar tal limitação, caso fossem zeradas as emissões do setor elétrico, interrompendo-se integralmente a geração de todas as usinas termelétricas nacionais, que têm sido essenciais para a operação do sistema brasileiro, haveria uma redução de menos de 10% das emissões de CO2 no país.
Atividades como transporte, agricultura, uso da terra e indústria, diante da intensidade de carbono que apresentam, são aquelas com maior potencial de contribuição para o alcance da meta de redução de emissões de GEEs. Esta flexibilidade é possível devido ao fato de que a meta de redução de emissões não está vinculada a setores específicos da economia.
Apesar da tendência de baixa contribuição do setor elétrico para redução das emissões, a inserção de fontes renováveis deve ser mantida na lista de prioridades nacionais. Além disso, as baixas emissões do setor elétrico frente a outros setores econômicos não eximem o setor de sua responsabilidade na formulação de políticas climáticas nacionais.
Claudio J. D. Sales é Presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)
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